Blog da Laura Peruchi – Tudo sobre Nova York
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A nossa longa trajetória até o Green Card: das incertezas à liberdade

Ao apertar o botão “publicar” neste post, dou início a um novo capítulo da minha história nos Estados Unidos. Hoje, posso dizer, oficialmente, que eu sou uma residente permanente deste país, ou, uma portadora de Green Card. Talvez essa notícia seja uma surpresa para muitos – afinal, por mais que eu seja uma pessoa que compartilha muito na internet, pouco falei durante esse tempo sobre as minhas dores com o sistema de imigração. Pois é. E a gente acha que conhece as pessoas e sabe tudo sobre elas só por acompanhá-las pela internet… 

Agosto de 2013, visitando Nova York pela primeira vez. Menos de 5 meses depois, estávamos mudando para a cidade.

Em janeiro, completamos 7 anos morando na Big Apple. Apesar de eu já ter falado aqui sobre a minha mudança de pensamento em relação a imigrantes indocumentados, apesar da minha empatia ao entender que nem todo mundo tem as mesmas oportunidades, apesar de entender os privilégios envolvidos ao conseguir percorrer um caminho “legal”, eu acho que pouco se fala dos struggles desse mesmo caminho. Eu sou grata pelas minhas oportunidades. De verdade. Não subestimo isso. Mas a gente precisa falar também sobre os percalços, dores e empecilhos envolvidos nessa jornada. 

Conseguir um visto que te permita ter uma certa liberdade é uma vitória. Porque a verdade, analisando bem, é que os vistos te proporcionam uma vida mais amarrada. É uma falsa ilusão de vida perfeita. De longe, ela parece tranquila. De perto, há limitações, prazos, medos e muita ansiedade envolvida. Lá em 2013, quando a nossa vinda pra cá começou a se materializar, eu tinha zero entendimento de vistos. Hoje, olhando pra trás e vendo toda a nossa trajetória, eu tenho orgulho dela. Mas foi longe de ser simples ou descomplicada. Eu não vim pra cá pensando em ficar pra sempre – mas sabia que não queria ficar pouco tempo. E mesmo com as dificuldades, com a distância da família, com todas as coisas que precisei aprender e reaprender, nunca passou pela minha cabeça voltar. 

Quando mudamos para os EUA, em janeiro de 2014, viemos com o visto J-1, de trainee. Era um visto que nos proporcionaria 18 meses morando aqui, sem possibilidade de renovação. Se Thiago quisesse mudar de empresa, até seria possível, mas era um procedimento bem complicado. Eu, como esposa, tinha direito à autorização de trabalho, com prazo de expiração também. E esse visto não nos permitia aplicar para um Green Card. Se quiséssemos ficar, precisaríamos de um novo visto. Ao fim de um ano aqui, o relógio começou a contar – e, ali, eu já sabia que não queria mais ir embora. Pelo menos não naquele momento. Havíamos acabado de chegar e eu queria viver muita coisa ainda. Em janeiro de 2015, a empresa iniciou o processo para aplicação do visto H1B, o visto de trabalho. É um dos vistos mais desejados – e mais concorridos, cujo processo é longo e complicado. A imigração só recebe as aplicações uma vez por ano – entre março e abril. Além disso, o limite é de 65.000 vistos emitidos por ano, e mais 20.000 vistos adicionais para profissionais estrangeiros que se graduaram com um título de mestrado ou doutorado em universidades nos Estados Unidos. No ano em que passamos por isso, a imigração recebeu mais de 170 mil aplicações. E o critério utilizado para definir quem vai ser escolhido é: sorte. Uma loteria, literalmente. Não é analisando papéis, nada. Não foi sorteado? Tchau. Como a empresa do Thiago realmente queria mantê-lo como funcionário, eles nos tranquilizaram e disseram que procurariam outra solução. Mas, honestamente? A gente passou três meses esperando o período de aplicações abrir, mais algumas semanas até eles fazerem a tal loteria. Imaginem o nível de ansiedade? Eu estava exausta, ansiosa, angustiada. Não queria passar por outro processo de visto. Quando a aplicação foi feita e tudo que nos restava era esperar, já era abril de 2015 e eu só pensava que em três meses eu talvez teria que ir embora. Bom, como vocês sabem, não foi o que aconteceu. Era final de tarde de uma quarta-feira em abril, quando eu saí de uma loja e vi a mensagem do Thiago falando que havíamos sido sorteados. Lembro onde eu estava, lembro como estava o céu, lembro da calçada onde eu caminhava. Lembro da felicidade e do alívio que senti. Lembro da voz alegre dos meus pais ao telefone celebrando comigo. Lembro do peso que saiu das minhas costas. Lembro da ligação em vídeo com nossos amigos de San Francisco, que comemoraram por nós, mas tiveram que consolar outros amigos que não tiveram a mesma sorte. Depois disso, em julho, partimos para o Brasil para passar três meses – afinal, o nosso visto expirava e, com o H1B, só poderíamos entrar novamente nos EUA em outubro. 

Com o visto H1B, o caminho para a residência permanente ficou mais concreto – através dele, a empresa pode aplicar para o Green Card. Thiago também ganhou certa flexibilidade – se ele quisesse trocar de emprego, seria muito mais fácil. Para mim, as coisas voltaram mil casas no jogo: como dependente dele, eu não tinha direito à autorização de trabalho. Entrei para o hall das esposas esquecidas pelo sistema de imigração. E falo esposas porque, infelizmente, esse é um sistema que beneficia muito mais os homens, no geral. No ano passado, por exemplo, a porcentagem de vistos H1B emitidas para homens foi de 70%. Você pode morar na nossa terra das oportunidades, mas você não pode ter direito às oportunidades que aqui existem. Essa é a realidade de milhares de mulheres que deixam o seu país para seguir seus maridos na “América”. O negócio é tão contraditório que os grupos de apoio no Facebook se chamam “H4 Visa – A Curse” (uma maldição) ou “Golden Cage” (gaiola de ouro). Àquela altura, eu não tinha pretensão de procurar um emprego – eu era uma criadora de conteúdo movida por paixão, mas que via futuro e oportunidades nesse negócio. Mas eu estava presa, de alguma forma. Eu me sentia suprimida numa sociedade que ignora parceiros de imigrantes – afinal, o H1B não é o único visto com esse ônus. Eu não me sentia livre. Eu não era livre. Ou eu encontrava outro visto, ou eu esperava o Green Card. E como todo processo é longo e a gente achava que tinha controle sobre as coisas, a gente decidiu esperar pelo Green Card. 

E não foi um processo curto. Com um ano de H1B em mãos, Thiago concluiu que era hora de trocar de empresa e buscar novos desafios. Ele já não se sentia mais satisfeito no trabalho. Mesmo sabendo que uma troca de empresa àquela altura significaria o adiamento do Green Card, eu o apoiei. Ele mudou de empresa e isso nos colocou na estaca zero do processo, já que a nova empresa só iniciaria o processo depois de um ano de casa, dependendo da performance dele. Dois meses depois da contratação, ele já foi elevado para um cargo maior, o que me fez concluir que performance não era o problema. Ele tentou usar desse argumento para adiantar o processo, o que foi em vão. Somente 14 meses depois o nosso processo iniciou.  

Uma caminhada longa e sem respostas imediatas. Um exercício de paciência. A sensação que eu tive durante todo esse tempo é que eu estava nadando para chegar à praia, eu enxergava ela muito pequena no horizonte, mas ela nunca aumentava de tamanho. Enquanto isso, todo mundo passava nadando mais rápido do meu lado. E por mais que eu me esforçasse, meus braços não tinham forças para mudar aquela situação. Nunca me esqueço de um dos incontáveis episódios de contratempos do nosso processo. Thiago tinha uma reunião com os advogados da empresa sobre a situação e, quando ele me ligou, eu já sabia que era para falar sobre a reunião. Àquela altura, eu já não estava satisfeita com o rumo das coisas. Nada tinha nos surpreendido positivamente. Sabe quando tudo que pode dar errado, dá errado? Porém, não sei por que, mas eu realmente achei que aquela ligação traria alguma notícia boa. Não só eu estava errada, como as notícias – sim, mais de uma – eram nada animadoras. Nosso processo atrasaria por conta de um conflito do visto anterior – o que exigiria pedir um documento da embaixada brasileira que poderia demorar 4 meses para ficar pronto. Isso não só atrasaria nosso processo do Green Card como nos impediria de renovar nosso visto. Sem contar que a empresa, a priori, não iria se responsabilizar pelo gasto de 10 mil dólares envolvido somente na resolução desse problema que eles consideravam de caráter pessoal. 

Quando Thiago terminou de falar, eu perguntei: é só isso ou tem mais alguma notícia ruim? 

A minha garganta estava fechada, o choro estava preso. Eu não ia cair no choro, por mais que eu soubesse que ele sabia qual seria minha reação ao desligar o telefone. Ao longo de todos esses anos esperando pelo Green Card, desenvolvi crises de ansiedade terríveis. A simples menção ao processo fazia minha garganta fechar e o sentimento de angústia era inconsolável. De fato, ainda consigo lembrar da sensação que tinha, enquanto escrevo essas palavras. Assim que desliguei o telefone, chorei um choro angustiado. Acabei contando com o consolo de minha mãe e da minha amiga, que, mesmo de longe, me ajudaram a manter a calma. Nesse dia, minha amiga me relembrou algo que ela já sempre falava mas que passou a fazer parte do meu consciente: a gente paga um preço muito caro para querer ficar nos Estados Unidos. Toda hora, precisamos provar que somos competentes, pagar por mil taxas de visto, se submeter a um processo longo e estressante, que me custou já várias brigas com meu marido e mexeu com nosso psicológico de uma forma imensurável. 

A sensação que eu tive naquele dia, mesmo com o sol resplandescente lá fora, era: foda-se você, Nova York. Eu amo o que eu faço, o universo já me respondeu de formas lindas que o que eu faço é algo bom, só contando pelas mensagens carinhosas que recebo das pessoas todos os dias, das oportunidades que já tive. Mas só eu sabia da minha dor de estar limitada a um visto no qual um sistema de imigração decide o que você pode fazer da vida. Naquele dia, fui tomada por uma sensação de ingratidão do universo. Dane-se a máxima de que você colhe o que planta. Onde estava o universo me devolvendo o que eu estava plantando? 

De repente, eu me vi como se estivesse num relacionamento abusivo com a cidade. Quando você insiste em ter alguém que claramente não te quer, e ainda te faz passar por sofrimentos imensuráveis. Você deixa o seu país, suas raízes, sua família, seus amigos, deixa aquilo que faz parte de você para vir para outro local e começar do zero. Morar no exterior te faz passar por fases de luto: Família & Amigos, Língua, Status social, Cultura, Integridade Física, Terra e Pertencimento. Você não é mais quem você era. Você é apenas mais um no meio de milhões. E você ainda tem a desvantagem de ser um imigrante. Será que eu estava batendo muito a cabeça na parede para ter algo que eu queria tanto? 

Eu sempre tentei me manter otimista. Acreditava em prazos da minha cabeça. Deixei planos de lado por estar limitada burocraticamente. Vimos o processo se arrastar mais por cair em auditorias. Eu tentava entender, daí eu esquecia, daí eu tentava entender de novo e ficava mais angustiada por ver o quanto faltava.  Eu tinha raiva de quem burlava o sistema. Eu via os meus amigos mais próximos encerrando seus processos, ficava feliz por eles por fora mas chegava a sentir raiva por dentro – me desculpem, amigos. Não foi nada pessoal. 

A coisa só começou a tomar forma quando a gente foi fazer os tais exames médicos. O processo de Green Card exige que você tire sangue, apresente carteira de vacinação e tudo mais. Eu lembro da tarde no consultório, da espera, das milhares de folhas preenchidas, das perguntas que tivemos que responder. Eu lembro de sair de lá, apertar o botão do elevador e cair no choro por pensar que estávamos chegando mais perto – mesmo sabendo que ainda faltava muito. Eu lembro da tempestade que fazia lá fora quando recebi pelo correio minha autorização de trabalho – permitida e conquistada a certa altura do processo de Green Card. Chorei um choro feliz e de complacência com a Laura do passado que tanto havia sonhado com aquele documento. Talvez aquela tempestade tivesse algum significado.

Eu lembro dos meses sem mudança no nosso processo. Eu lembro quando recebemos as cartas marcando a coleta de digitais. De cada pulo de alegria e celebração por cada etapa concluída. E eu lembro quando abri o site da imigração para checar o status do nosso caso – coisa que fiz religiosamente por incontáveis dias, meses e semanas – e li: New Card is being produced. Dei um pulo da cadeira, corri para contar para o Thiago, abracei ele bem apertado e celebramos pulando igual a duas crianças. 

Passei os dias seguintes mentalizando: “I don’t take this for granted“. Comemoramos igualmente quando vimos que o cartão havia sido postado: Card Was Mailed To Me. E revivemos nossa longa jornada. Relembramos nossas conversas, o quanto a gente desejou que esse dia chegasse, o quão longe ele sempre parecia estar, o quanto sonhamos, choramos, esperamos. Numa das noites que antecederam a chegada do cartão, abracei o Thiago bem forte e falei: “nós merecemos isso. Não mais que ninguém, nem menos que ninguém. Mas nós merecemos.”. Pensei em quantas pessoas gostariam de estar no nosso lugar. Torci por elas. 

Hoje, a gente celebra, acima de tudo, a nossa liberdade. A liberdade de eu poder fazer o que quiser – inclusive não estar mais casada, se for da minha vontade – e poder continuar aqui. Não, eu e Thiago estamos muito bem, porém, ele sempre entendeu minhas limitações nesse país como esposa dele. Celebramos a liberdade de não termos que passar pelo processo de renovação de visto – consulado, entrevista, ansiedade. Celebramos a liberdade de podermos simplesmente existir nesse país, sem estarmos atrelados a papéis, ou a uma empresa – afinal, quantas vezes vi o Thiago estressado e com vontade de largar tudo, mas ele simplesmente não podia porque isso significaria voltar à estaca zero do processo? Celebramos a liberdade de eu poder fazer o que quiser – inclusive entrar no mercado de trabalho formal. De o Thiago poder fazer o que quiser – inclusive ficar sem trabalhar ou buscar um trabalho que nada tenha a ver com a área dele. Celebramos a liberdade de não termos que morrer de ansiedade na fila de imigração ao entrar nesse país. Celebramos o fato de não precisarmos nos preocupar com o fato de que o Presidente pode acordar um dia e apenas mudar as regras dos vistos, afetando milhões de pessoas. Celebramos a liberdade de nos sentirmos livres – por mais que essa liberdade ainda inclua limitações que sempre existirão. Porque sim, continuamos sendo imigrantes. Sim, continuaremos a enfrentar outras pequenas batalhas, não importa o tempo que passe. Mas chegamos até aqui. Celebramos o fato de termos opções e podermos escolher.

Para todos vocês que leram até aqui, especialmente os imigrantes, com ou sem documentos: o meu abraço. Só a gente sabe o quão louca é essa aventura de deixar a nossa casa para correr atrás dos nossos sonhos, sejam quais forem as circunstâncias. 

Sobre a timeline do processo: após publicar este post, recebi algumas dúvidas sobre os prazos de cada uma de nossas etapas. Por experiência própria, eu digo que muitas vezes comparar nosso processo com de outras pessoas só me trouxe mais angústia e ansiedade. Mas, aproveito para deixar a dica do site Trackitt – é focado somente em processos de Green Card e dá pra acompanhar fóruns de vários temas e verificar prazos. 

Não tem símbolo mais forte do que a Estátua da Liberdade para representar esse nosso momento.

Podcast contando nossa história

PS: grande parte dos episódios do LET’S TALK  NEW YORK traz histórias e reflexões sobre os struggles de ser imigrante. O podcast está disponível gratuitamente no Spotify, iTunes, Google podcasts e outras plataformas.

Vídeo no Youtube:


5 Comentários

  1. Muito feliz por vcs!! Parabéns, de novo. E muito sucesso nessa nova fase da vida… Uma fase mais leve, certamente 😘

    1. Parabéns , muito feliz por vcs Laura e minha admiração ! Q esse país devolva em alegrias e grandes momentos todo perrengue rs 🙌🇺🇸 sempre torcendo aqui viu , de verdade 😉 e muito amor casal , curtam tudo q puderem , vcs merecem ♥️♥️

  2. Muito feliz por vocês! Que linda essa frase: não merecemos nem mais nem menos do que ninguém mas nós merecemos! Felicidades nesse novo ciclo de vida aí!

  3. Voçe é linda e maravilhosa com esse sorriso de alegria e merecedora deste presente.Sua historia me deixou deveras muito emocionado! quem sabe,un dia eu possa conhecer voce. Beijos e Abraços Catarinense…!

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