Blog da Laura Peruchi – Tudo sobre Nova York
lifestyleMeus Favoritos

Nova York e a eterna caça ao lar quase perfeito

No último fim de semana, tivemos a visita de um casal de amigos muito querido. Eles moram na Philadelphia e, se tudo sair como planejado, antes de o ano terminar, vão se mudar para Nova York. Aproveitaram o fim de semana para explorar a vizinhança, conversar com algumas pessoas, organizar melhor as ideias. Como somos meio “macaco velho” nessa história de apartamento em Nova York, acabamos compartilhando vários conselhos e dicas com eles. Afinal de contas, alugar um apartamento em Nova York requer não só pesquisa árdua e muita disposição, mas um sexto sentido aguçado, uma intuição à prova de falhas e muita esperteza. Definitivamente, depois de duas caças a apartamento em quatro anos – e certamente quase uma centena de futuros lares visitados – a gente já concluiu que nada, absolutamente nada – nem as minhas sete mudanças enquanto morava em Tubarão – vai preparar para o que é encontrar um apartamento aqui.

Obviamente que isso não se aplica àquela minoria da população cujo budget para alugar um imóvel é infinito. Essas devem ser as pessoas que ocupam aqueles edifícios lindos e luxuosos, cujo aluguel se tenta calcular mentalmente toda vez que se olha para eles – e pode ter certeza que eles custam muito mais do que a nossa imaginação é capaz de calcular. E não precisa refletir muito para ter ideia de como é o mercado imobiliário da cidade. Se você já veio para cá, sabe como é árdua a tarefa de encontrar um quarto de hotel por um preço pagável – no fim das contas, você acaba desembolsando uma boa grana por um quarto minúsculo, sem café da manhã e sem luxo. Agora, pense nisso, só que para apartamentos. Pense em você gastando uma grana federal para não ter todas as suas expectativas atendidas num imóvel. Welcome to New York.

Claro que isso tudo  só aprendemos depois de levar muito tapa na cara. Foi na escola da vida, literalmente. Essa busca dos nossos amigos por um lugar para morar aqui nos trouxe muitas lembranças. A tarefa de bater o martelo na hora de escolher um lugar é tão complicadinha que, na época, criamos uma escala para avaliar cada um dos apartamentos que visitávamos. Dávamos nota para o preço, para a localização, para o tamanho do apartamento e listávamos os pontos positivos e negativos. Meu marido, inclusive, encontrou as notas ainda no celular e é interessante perceber como a  nossa percepção muda à medida que vamos conhecendo melhor a cidade e a nós mesmos. Há quase quatro anos, quando chegamos aqui e começamos a procurar nosso apartamento, éramos ingênuos e perdidos. Olhamos uma dezena de apartamentos até encontrarmos a nossa casinha e nos enfiamos em cada quebrada que eu não faço ideia. Dessa nossa saga, tivemos várias histórias interessantes.

Uma delas foi em algum bairro escondido do Brooklyn, em um reino não muito distante – que eu não tenho ideia nenhuma de onde fica. Marcamos um horário com o broker – o agente imobiliário responsável por nos mostrar os imóveis. Conferimos o endereço umas mil vezes. Era uma manhã de inverno, o vento batia, a rua era meio vazia. O prédio era estranho. Esperamos, batemos, ligamos para o broker – que não apareceu. Aliás, vamos abrir um parênteses para falar dessa relação que desenvolvemos com o broker, que é o como aquele cara gatinho que você conhece na balada, dá uns beijos e troca seu telefone. Vocês estão no mesmo barco: solteiros, querendo dar uns pegas em alguém, sem exclusividade. O gatinho vai até retribuir no começo, caso você o procure – mas ele não vai tratá-lo como alguém especial, porque sabe como é, há outras meninas em jogo. Assim é o broker com você: ele vai mostrar vários apartamentos, mas não vai prometer fidelidade, porque há vários outros clientes interessados – e talvez com um budget maior que o seu. Provavelmente havia alguém mais importante nesse dia para o broker nos dar o cano – sem nem dar satisfação. Fazer o quê? Fato é que um vizinho que morava no mesmo prédio nos viu, perguntou o que estávamos fazendo e abriu a porta do prédio para nós. Tentamos, em vão, checar o apartamento que estava disponível – obviamente, estava trancado. O vizinho, que deveria ter uns 50 anos, convidou-nos para entrar no dele, para assim termos uma ideia do que encontrar. Fomos dar um confere e acho que nunca vamos esquecer tudo o que vimos. O apartamento era no térreo, atrás da escada. Antes de entrar, já sentimos um cheio forte de incenso. Dentro, era tudo escuro. O homem tinha coisas enfiadas em absolutamente todos os cantos da sala. Não havia uma luz da rua entrando. Animais empanados, luzes coloridas e uma música estranha. Eu me senti naqueles filmes em que o protagonista é avisado um trilhão de vezes que não deve falar com estranhos e acaba caindo nos lugares mais esquisitos do mundo. Felizmente, tudo acabou bem. Tratamos de agradecer a gentileza do homem e vazamos. Aquela parada estava estranha demais. Até hoje nos perguntamos sobre o que, realmente, aquele homem fazia naquele apartamento. Rituais malignos? Um acumulador? Façam suas apostas.

Dos mais pequenos aos mais estranhos, vimos que existe todo tipo de apartamento em Nova York. Aquele cujo banheiro tem dois espaços – um com o chuveiro, outro com o vaso e a pia, ambos em locais separados da casa – aquele onde você passa por dentro de um quarto para ir a outro quarto (privacidade zero, temos) – aquele onde uma cama de casal não caberia no quarto nem com reza brava… E, claro, existem aqueles que são bons demais para ser verdade. Aliás, essa é uma das regras de ouro da caça a apartamentos em Nova York. Se algo parece bom demais para ser verdade, há grandes chances de algo estar errado. No ano passado, resolvemos que queríamos nos mudar. Queríamos dois quartos. No primeiro dia de nossa busca – seria nosso sonho? – visitamos um apartamento maravilhoso. Enorme, dava até pra correr dentro – lembre-se: espaço é artigo de luxo aqui. Tinha dois quartos, uma sala enorme, cozinha maravilhosa, um milhão de closets, elevador, lavanderia e até segurança! O preço era maravilhoso e eu, cega pela paixão, já queria sair de lá e preencher a papelada. Fomos até um café, sentamos e Thiago decidiu fazer uma pesquisa avançada sobre o lugar. Achamos várias avaliações péssimas. O aviso era claro: não alugue apartamento aqui. Apesar de ninguém negar que a estrutura era boa, aparentemente o local não era o mais seguro: rolou assassinato e roubo, havia relatos de que as pessoas fumavam, usavam drogas e faziam xixi nas áreas comuns, que a administração era fraca e que a segurança não servia para nada.

Ainda lembro também de um dos primeiros apartamentos que vimos em 2014, em nossa primeira caçada ao lar perfeito. Nossa broker era muito legal e atenciosa e nos levou ao apartamento dos nossos sonhos. Espaçoso, tinha tudo que precisávamos. Eu parecia uma criança num playground – era como se tivéssemos descoberto um pote de ouro. Fomos até o escritório para começar a papelada, quando um colega da nossa broker nos chamou em uma salinha. Sua cara não era das mais otimistas. Ele nos explicou que o processo para alugar aquele apartamento seria algo difícil em nosso caso. Estrangeiros, recém-chegados, nenhum crédito. As exigências? Um ano adiantado de aluguel. Lembro que eu, ingênua, comecei a listar fatos que, na minha inocência, ajudariam na nossa reputação de bons pagadores: temos uma poupança no Brasil, já trabalhei em tal lugar, meu pai pode ser nosso fiador. Tadinha de mim. Eu realmente achava que aquelas informações fariam diferença. Boba. Tudo cai no velho ditado: vida zerada no exterior, seu passado não importa mais. Foi um dos primeiros socos no estômago que levamos aqui. Minha frustração era tanta que eu quis chorar naquele dia.

Também teve uma vez em que apareceu uma oportunidade de ouro. Basicamente, era para assumirmos o contrato de uma pessoa que estava saindo do apartamento antes do fim do contrato. O lugar era maravilhoso, atendia a todas  nossas expectativas. Mas o cara que administrava o prédio tinha muitas exigências. Lembre-se: se você não tem histórico de crédito nos EUA, você não é ninguém. Não importa quem você era no Brasil, onde trabalhou, quanto dinheiro tem na conta. É como eu já disse outra vez: aqui, você zera a vida. E por conta desse maldito sistema de crédito, a exigência para assumirmos esse apartamento foi alta. 10 mil dólares, para ser mais exata – e dar uma noção para vocês da “brincadeirinha” que é morar em Nova York. O apartamento era um sonho. Porém, a gente balançou. Era muita grana. Queríamos negociar. Mas a inquilina que estava saindo do apartamento, e intermediando a negociação, disse que não seria possível, porque o cara era muito temperamental. Acabamos desistindo do negócio – o que não a deixou muito feliz. Lembro as palavras dela para nós: “com certeza, vocês vão aprender bastante”; talvez não nessas palavras, mas o recado foi dado. Ficamos bem chateados na época, tristes mesmo. Mas, passou. Bem, fizemos nossa escolha. Naquela altura do campeonato, um gasto tão alto não nos faria felizes.

No fim, a busca por um lar nessa cidade, que por vezes chega a ser caótica, é um jogo. É fato: você sempre terá que abrir mão de algo. É preciso saber do que você está disposto a abrir mão; e o que vai fazer essa troca valer à pena. É preciso saber jogar com o tempo, aproveitar as oportunidades. É como a vida real: não dá para se ter tudo, sempre. A gente vai lidar com frustrações, vai achar que chegou lá e vai ganhar um banho de água fria, vai encontrar pessoas legais, pessoas que o deixam na mão e pessoas desagradáveis. É interessante observar como as nossas expectativas baixam – e isso tem muito a ver com a mudança para o exterior, em se adaptar a uma nova cultura, a novas regras do jogo. Como diz o anúncio do StreetEasy: esta é a cidade onde ter uma lavadora e uma secadora em casa significa que você venceu na vida – e se a sua vista da janela for para uma simples parede não importa, afinal, atrás daquelas paredes está Nova York. Uma cidade que vai derrubá-lo, levantá-lo e vai lhe trazer oportunidades. Nem sempre vai ser possível aproveitar todas; o sentimento, porém, é de que tudo valeu à pena, no fim das contas.

 

 


5 Comentários

  1. Laura, adoro seus posts. Sua grande vantagem de hoje em dia é que é possível pela internet pesquisar avaliações. Quando morei com meu marido em 2007-2009 escolhemos morar em Edgewater/NJ porque os apartamentos eram mais espaçosos, tinha lavadora e secadora de roupas dentro do apto (sonho!), tínhamos vaga de garagem e carro (para viajar, passeios de fds, ir ao mercado) e precisava deixar apenas 1 mês de aluguel de garantia. Porém abrimos mão de morar em Manhattan e ter um commute de 40min todos os dias. Enfim, sei muito bem como somos “ninguém” quando chegamos e acho que até voltarmos para o Brasil essa sensação nunca foi embora realmente.

  2. Laura,
    Lavadora/secadora dentro do apartamento é o meu sonho eterno. Muito #classemediasofre 🙂 Eu acho que a gente sempre fica em busca eterna do apartamento perfeito. Eu sempre dou uma olhada no Streeteasy para ver o que esta disponível.
    Como sempre suas crônicas muito pertinentes e engraçadas ao mesmo tempo.
    Beijos,
    Tania

Leave a Response